A Equivocada Câmara Brasileira

Antes de tudo, é necessário ter cautela. O fato da Comissão Especial sobre o Estatuto da Família na Câmara dos Deputados ter aprovado o projeto de Lei 6.583 de 2013, não requer desespero. Família, para o indicado projeto, é a união entre homem e mulher, assim como a comunidade formada por quaiquer dos pais e seus descendentes, excluídos os casais homoafetivos.
Observar que se trata tão ainda de uma ideia a ser ratificada, torna-se imprescindível. Até porque, quando o Supremo tribunal Federal reconheceu o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, em 2013, ele não revogou, pelo menos não explicitamente, artigo de Lei algum. Não cabe àquela Corte fazê-lo, seria ilegal.
“Homem com homem não se reproduz”. “Mulher com mulher igualmente não”. Do ponto de vista biológico, seria estupefato não se coadunar com essa premissa. Ninguém seria de tamanha ignorância. É preciso entender, pois, que a problemática não está apenas no fato de um homem casar-se com outro – ou de um transgênero poder constituir sua família. Envolvem-se, nessas nuances, relações e, mais ainda, sentimentos. Nenhum extremismo precisa ser consternado para se perceber que não é bem o instituto familiar que se quer resguardar. Pelo menos não do modo como tudo vem sendo apresentado.
A Constituição da República, ao indicar que a união entre um homem e uma mulher define a entidade familiar, bem como a comunidade existente de qualquer dos pais e descendente, exclui, por exemplo, os avôs e netos, sobremaneira, as relações psicoativas enlaçadas em cada caso concreto. A mesma Carta Constitucional que “impõe” isto é a mesma que resguarda os direitos das crianças e adolescentes, pugnando sempre pela existência de uma família preestabelecida como fonte de caráter e educação. Justamente por essa teleologia foi que se pacificou entendimento acerca do vem a ser família.
Pois bem, voltemos ao conceito que o STF, casa máxima da justiça brasileira, concebeu à família contemporânea. A família é formada por pessoas heterossexuais, assim como homossexuais, e deve receber proteção do Estado Democrático. Clara e coerente a decisão, já que assegura a importância que a comunidade jurídica brasileira precisar dar aos “novos” núcleos familiares em formação.
Mas, contrariando todo e qualquer conceito jurídico (repete-se, jurídico) que a Corte Suprema deu à entidade familiar, o deputado federal Anderson Ferreira (PR-PE), defensor da forma tradicional preexistente, heteroparental, resguardando seu direito de opinar a vida alheia, ainda que esta em nada o deturpe, preferiu comensurar, numa mesma vertente, valores que não necessariamente devem ser opostos mas que, certamente, precisam ser respeitados conforme suas axiologias. Religião e Direito, e isso a história se encarrega de esclarecer, nunca foram pares de uma soma. Tudo isso transparece mais uma Inquisição da Era pós-moderna, uma verdadeira caça aos pecados, à Sodoma e Gomorra. Não, caros deputados, está tudo errado! Deus não é isso. Aliás, quem dera os senhores tivessem pelo menos um terço da santidade e discernimento que Ela precisa ter. 
Não se pode impor valores pessoais, de crença, às ideologias de um povo. Isso é ditadura,  sofrimento, é morte. A máxima do citado projeto é uma sangrenta cruzada entre o maniqueísmo que se inventou acerca da sexualidade das pessoas, fazendo surgir, sim, uma aberração jurídica sem precedentes na história do país. 
Além do mais, quem são os assessores dos deputados que nos representam? Voltem imediatamente para a academia. É preciso estudar mais. O Supremo não pode modificar a legis ipsis litteris, ex officio, porque foge da sua competência, mas ele deve reorganizar os valores que precisam ser reconhecidos para, a posteriori, haver mudança coerente com a ordem no campo fático, constitucional - o que deveria ter se observado quando do fazimento do projeto de Lei. 
De todo modo, ainda que o dito projeto seja “promulgado”, é preciso saber, nobres Deputados, sua inconstitucionalidade deverá ser decretada pelo Judiciário, em momento oportuno, fazendo com que a máquina pública, que já não anda muito bem nos trilhos, desande e, pior, cause desordem e incredulidade jurídica que, aliás, é o pior dos pecados. Perder tempo deve ser uma tarefa chata, mas não muito quando se recebe uma pecúnia muito boa para tanto. Mais uma vez, lamento. 
Não existe ameaça familiar. Ponto. Nem todas as pessoas desta Nação são homossexuais e, ainda que fossem, a suposta ameaça não passaria de uma especulação insciente. A resultante disso tudo é clara: proteção dos direitos dos seus iguais. Por um lado, a nova existência de um parâmetro familiar, por outro a “demonificação” dos homossexuais e suas derivações; no centro, a sociedade, o senso comum. É uma luta feia, desnecessária e, acima de tudo, infrutífera. 
O Estado é laico - diferentemente da opinião própria que, acertadamente, sempre será tendenciosa. Dissociar os princípios individuais daqueles que são devidos à sociedade é, antes, competência. 
Tradicional, nisso tudo, só mesmo o egocentrismo de uma gente sem educação e escrúpulo.

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