Do Latim, Quim

Joaquim era um garoto sonhador.
Pensou, em algum momento da sua juventude, que a vida seria mais ou menos tranquila.
Joaquim foi criado de uma forma tida, tradicionalmente, como rígida: acordar cedo, ir à escola, às aulas de reforço, ser educado e atender aos anseios sociais: ser um padrão equivalente ao aceitável e, embora este conceito tenha sido mitigado, ao longo dos anos, Joaquim se ateve a ser esse padrão tão maculado e que daria a ele os status necessários a um vida plenamente digna.
Só que Joaquim cresceu. 
Só que Joaquim entendeu que as pessoas exigiam, em sua maioria, aquilo que nem elas mesmas conseguiriam ser.
Joaquim começou a criticar, ainda que mentalmente, esse padrão. Perdeu tempo. 
Por que ele tinha de ser médico? Por que ele tinha de querer uma casa própria, um carro, uma “esposa” e filhos, no plural, para poder ser encaixotado em uma redoma social perfeitamente insana? 
Por que Joaquim tinha de ser ético, respeitável e respeitado, hétero, não ter tatuagens, não usar brincos e nunca, jamais, em hipótese alguma, não acreditar em um Deus religioso? 
Por que Joaquim não poderia ser ateu? 
Por que Joaquim, por exemplo, não poderia beijar homens? Por que não poderia beijar vários homens? E por que Joaquim não poderia gostar de ser fútil? Fazer plásticas, dieta, ir à academia cinco vezes por semana, ser desejado, usar maquiagem, pentear o cabelo de uma forma não comum? 
O que é ser fútil? 
Por que Joaquim não poderia se dar ao luxo (?) de ser aquilo que ele bem quisesse ser? 
Joaquim jamais matou, roubou... mas foi agressivamente furtado de ser e ter o que lhe conviesse? 
Joaquim é sensível, mas precisa ser duro. É um jovem com muitas marcas postas pela vida, mas ainda não é amargurado - é uma questão de tempo.
Joaquim, “Quim”, para os mais íntimos, adora se sentir livre e “ser livre”, para ele, não significa ter coisas, ser coisas, não usar brincos ou tatuagens, nem gostar de mulheres, muito menos de homens (quem gosta, em sã consciência, de homens?), usar drogas ilícitas, fazer badernas...; para ele, bastava não ser julgado, menosprezado, incitado, desafiado ou rotulado. Isto faria Joaquim ser livre. Mas não deu. Não foi. Não ia acontecer. Paciência?
Quim só gostaria de poder ir quando e ao lugar que quisesse; fazer quando e como quisesse. Usar quando e o que quisesse, quantas vezes conviesse. 
Que sociedade é essa que oprime Joaquim? Quem pessoas são essas que fazem de um homem, aquilo que ele não escolheu ser para poder se tornar modelado aos padrões normativos consuetudinários - muito embora tenha se convencido, por uma questão de sobrevivência, a conviver com tudo isso? Do que se trata essas pessoas? 
Joaquim só queria não ser igual a elas, não ser julgado por querer isto e seguir sua vida da forma que melhor lhe caísse.

Era madrugada e Quim se tornara preto em branco. Não tinha cor. Joaquim, já estava fadado ao “apaticismo”, a ter a mesma cor daqueles comprimidos, daqueles julgadores, daquelas pessoas tão perfeitas e adaptadas. 

Joaquim dormiu. 

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